terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uso da Fotografia de Tecnologia Digital como Meio de Prova nos Processos Ambientais

Uma antiga charge de revista americana, cuja identificação (publicação, data, etc) a memória me impede de citar, dava conta da seguinte situação: ao centro uma pessoa deitada em uma cama (na verdade uma cama de hospital), olhos arregalados, e ao seu redor uma pequena multidão de pessoas de pé, todas muito sóbrias e sérias. Algumas pessoas de terno, gravata, óculos, pastinha e outros com roupa tipo avental, estetoscópio, etc, paramentadas como médicos. Na legenda um texto mais ou menos assim. “Bom Dia Sr Fulano, estamos aqui para realizar sua operação. Este é seu médico, este é o representante da Cia. de seguros dele, este é o advogado do médico, este é o advogado da Cia. de seguros. Este é o advogado da Cia de seguros do hospital; este é o advogado do anestesista; este o representante da Cia de seguros do anestesista; este o advogado da Cia de seguros,...” e seguia essa infindável apresentação, com o paciente atônito ao centro.

A charge retrata – e sintetiza- bem a judicialização havida alhures, de que temos mais notícia, e com maior ressonância das questões de responsabilidade civil. Penso que é nosso dever, seja como advogado de parte, como poder público ou como membro do MP, evitar a qualquer custo que o mesmo ocorra na esfera ambiental. Um pouco, ou muito a propósito disso é que trato da fotografia nos processos ambientais.

Aqui especificamente da fotografia como meio de prova . O valor da fotografia, é óbvio; ou melhor: é, literalmente, visível. Posso descrever uma área com pontos de degradação ambiental (“a área encontra-se antropizada, sendo que nos remanescentes há presença de voçorocas em pontos de desmate ilegal, sendo que um desses pontos está a poucos metros de córrego...”) e posso, além e concomitante a esse texto, mostrar, de mais de um ângulo este mesmo quadro que tentei descrever de maneira mais objetiva possível. Objetividade esta nem sempre plenamente possível, pois toda linguagem carrega em si um grau de subjetividade, bastando qualquer gradação no texto para que sua objetividade, veracidade e imparcialidade não sejam absolutas, embora verdadeiras, e embora com lealdade no sentido técnico processual. Basta que eu desavisadamente, coloque p.e. a palavra “forte” (“ ...”com forte grau de degradação”) e posso ser contestado, por outro leitor que considera aquele grau como médio tecnicamente falando. Enfim, armadilhas e tecnicidades próprias da linguagem e que a imagem tem o condão de suplantar . Óbvio portanto o extremo valor da fotografia como meio de prova e como importante acessório na eficaz e real instrução processual.

É a máxima que a propaganda tornou conhecida, segundo a qual uma imagem vale mais que mil palavras. Na seara ambiental ainda mais, vez que usualmente as infrações ocorrem em áreas fora dos centros urbanos, com comprovação mais difícil do estado dos bens. Daí o freqüente uso de fotografias, mapas e croquis nos estudos ambientais e também nos processos administrativos.

Outrora, no uso da fotografia, havia algumas praticas a maioria delas de caráter costumeiro, sem necessária indicação escrita ou rígida, mas que a prática forense foi consolidando, e por sua vez trazendo aos processos administrativos.

Assim, como meio de validação da prova ( a prova da prova) era costume a inserção no objeto fotografado de uma edição de jornal periódico. O jornal era colocado ao lado do objeto ( por exemplo um detalhe construtivo de edifício, ou mesmo o próprio edifício) com a capa e a respectiva manchete estampada, de modo a se registrar a data em que a fotografia foi feita. Outra variação do mesmo expediente era a designação de uma ‘vítima’ para segurar a edição do jornal ao lado do edifício do nosso exemplo. A pessoa ficava de pé, com a devida cara de réu (ou de cachorro que ‘entrou’ na Igreja) um figurante ad hoc, segurando o jornal nas mãos, com a capa estampada para a frente. Posteriormente o jornal era entregue junto coma petição, com aquela mesma edição para comprovação da temporalidade da prova. Ou ainda, entregava-se a fotocopia da capa do jornal anexada na petição.

Nos processos administrativos, em época anterior à lei de crimes ambientais, também por praxis, era usual que se aceitasse as fotografias com entrega, por anexo (em geral mencionada expressamente na petição) dos respectivos “negativos originais” (era a expressão eventualmente utilizada: não apenas negativos, mas negativos originais (típica redundância cartorial que supostamente transmitiria maior ‘segurança’)). Nos processos forenses, também havia a entrega por anexo dos negativos. Aliás, como dito, a maioria desses hábitos procedimentais é herdado da experiência judicial, e subsidiariamente incorporada, mesmo se tratando de costumes advindos da prática forense.

Pois bem, mas e na era da fotografia digital? Temos aqui a materialidade da fotografia primeiramente alojada numa diminuta unidade de armazenamento, os micro cartões das máquinas digitais, e só posteriormente, após seleção é que as fotos são impressas para anexação nas folhas de petição. Não deveria haver problema algum, muda-se o meio ou a tecnologia de obtenção da foto, mas não se altera sequer o meio de prova (fotografia), com o mesmo fim (fazer demonstração visual de área) e com o mesmo “produto”, alterando apenas o meio de obtenção da mesma coisa. Ocorre que... Recentemente, em processo ainda ativo e em julgamento, (e por isso mesmo com as devidas vênias da discrição e prudências recomendadas), questionou-se a autenticidade de fotografias apresentadas.

Tratava-se de fotografias obtidas por meio digital, onde foram selecionadas algumas fotos, impressas, apresentadas em folhas separadas junto com a correspondência da empresa e, posteriormente, acabou deletando-se as fotos e foram salvas apenas as fotos que foram efetivamente utilizadas para apresentação ao Órgão Ambiental. Uma segunda empresa que atua em área vizinha ao se defender afirmou a falsidade das fotos apresentadas, alegando que as mesmas foram obtidas por meio de programas de edição de imagens digitais (como ‘photoshop’, ‘corel’ e outros) e portanto seriam falsas, tendo sido forjadas.

No específico caso, pode-se desviar (e resolver) de tal incidente, bastando simples visita a área. Fosse em via judicial e em outra hipótese, o uso da inspeção, além da demonstração de sua necessidade, cabimento, etc, poderia se previamente marcada ter sua eficácia prejudicada com eventual ‘maquiagem’ da área. Na via administrativa como detêm os órgãos ambientais poder geral de polícia, estes tem o poder de proceder a tal exame (até mesmo para garantia de razoável duração do processo administrativo, além da eficiência e eficácia administrativas).

Mas em determinadas hipóteses, ou em situações específicas tal exame poderia ser dificultado ou não ser possível. Aberto incidente para se apurar eventual falsidade na prova, uma vez demonstrada a falsidade (adulteração segundo o alegado) na fotografia, te(-re)mos aqui uma série de crimes cometidos, que serão autonomamente processados, conforme a tipificação que se entender pertinente. Caso contrário, se demonstrado a veracidade nas fotos, resta claro a alegação infundada, com nítida má-fé processual. Registre-se ainda que a alegação veio desacompanhada de qualquer elemento indicativo, qualquer meio que pudesse reforçar essa acusação (por exemplo: tais caminhões que aparecem na foto não são os terceirizados pela empresa, não há nenhum dessa marca ou modelo, ou ainda, visualmente comparando a foto do pátio da empresa com a foto apresentada como supostamente sendo do mesmo pátio nota-se uma série de diferenças ou discrepâncias visuais). Nada disso veio apontado ou sugerido. A primeira empresa (que foi acusada de ter apresentado provas adulteradas e falsas) não pode apenas alegar que não adulterou imagem, ou que não tem photoshop, etc. É discutir o ônus da prova da perna do saci. Fato é que em uma ou em outra hipótese, quem primeiro perde é sem dúvida o meio ambiente.

No caso específico tal manobra não trará prejuízos a celeridade processual, vez que simples visita na área deslinda de vez a questão. Mas na multiplicidade de situações com que se depara nem sempre tal é possível, ou com tanta eficácia ou presteza. E este assunto traz especial relevância em época onde a tecnologia digital é uma quase totalidade, dela se valem cada vez mais os órgãos de fiscalização e até mesmo o próprio MP, máxime com seu constitucional e sagrado poder-dever de investigação inexoravelmente reconhecido. Trata-se então como dito, do nosso dever de a qualquer custo evitar-se a judicialização do meio ambiente. Se a moda pega, no centro de nossa charge estará não o paciente de olhos arregalados, mas nosso patrimônio natural.

Assim, embora a tecnologia por si não solucione a má-fé ou a pequenez humana, seguem algumas observações/sugestões pontuais de modo a que se desvie em definitivo de qualquer senão ao uso da imagem nos processos ambientais:

a) aproveitando-se da facilidade e dos baixos custos da operacionalização da tecnologia, tire muitas fotos. Claro, você irá selecionar algumas para apresentação, mas ainda assim, selecione uma quantidade superior ao que você apresentaria com a tecnologia de filme ou que apresentaria normalmente.

b) Para evitar alegação de falsidade (que felizmente é bastante rara de ocorrer, sendo este o único (e último, rogo a Deus) caso que eu tenho notícia), mas também para que não se tenha qualquer dúvida da realidade retratada tire fotos de vários ângulos, de vários pontos, com diferentes graus de ‘zoom’, de diferentes posições e enquadramentos. O conjunto final certamente irá certamente proporcionar uma melhor compreensão da área, e possibilitar uma instrução mais segura

c) O antigo expediente da edição de jornal pode também ser utilizado, bem como a inserção de outros pontos de referência (não apenas temporais na fotografia) de modo a se ter um conjunto de pontos referencias (como mourões, postes, cercas, um elemento natural característico que permita referenciar onde está a foto, de onde se tirou, qual o objeto que ela ponta, a posição do sol, combinada com pontos físicos referencias de coordenada geográfica, relógios, etc). Esses pontos de referência são importantes não apenas como validação, mas como pontos que permitem ao leitor da foto entender o conjunto em que ela se insere, perceber “onde está” (e como está) aquele trecho retratado no conjunto da área objeto do processo;

d) Ainda se tratando de pontos referenciais, estes serão mais importantes quanto mais homogênea for a paisagem natural (p.e., uma pastagem sem qualquer relevo acentuado próximo que permita qualquer referência, aí mais que nunca a inserção de ponto de referência se fará útil, podendo ser até o próprio veículo utilizado para acesso à área), com igual atenção e importância para diversidade e variação de ângulos, zoom, e enquadramentos, podendo ser utilizado elemento natural para produzir essa distinção (um pássaro pousado em galho, com foco diferenciado, no pássaro contra o fundo retratado, p.e.);


e) Ainda que após tirar centenas de fotos, a seleção as reduza para vinte, nada impede que o CD com a totalidade das fotos seja apresentado em anexo, com indicação de quais dentre todos aqueles arquivos foram os efetivamente utilizados na petição (ex. foram utilizados os arquivos 'dsc006', 'dsc017', 'dcs029', etc) e o cd conterá a totalidade do levantamento fotográfico, e tal como se fazia com os negativos, será anexado (envelopado, com a devida proteção de capa dura e identificação escrita na sua face, com nº do processo, conteúdo, etc);

f) Um outro benefício emerge do uso de um maior número de imagens para retratar certa situação. É que a fotografia embora possa ter um grau de objetividade e imparcialidade maior do que um texto (especialmente escrito por advogado, que é por obrigação, parcial, por dever de lealdade a procuração) é também uma forma de linguagem. Assim, a imagem e a foto também são linguagem, e como tal sujeita também a um grau (ainda que bem menor) de subjetividade. Esse assunto, pela grande pertinência do uso de fotos em processos ambientais é merecedor de comentário separado, se possível com fotos exemplificativas. Mas de qualquer modo, o uso de maior número de fotografias inibe graus de subjetividade interpretativa e reforça a fotografia como linguagem objetiva e dotada do condão de trazer máxima eficácia instrutória.

g) Em caso de litisconsórcio, assistência, etc; o uso de diferentes fotógrafos também contribui não só para validação das fotos, como para maior clareza a maior instrução processual por elas trazida. Valendo o mesmo raciocínio para fotografias trazidas ao processo pela parte contrária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário