O Supremo Tribunal Federal (STF)
irá julgar o Recurso Extraordinário com
Agravo (ARE) 737977, no qual se discute
a competência da Justiça Federal para processar e julgar crimes ambientais
transnacionais.
O caso trata de exportação
ilegal de animais silvestres, e a questão a ser discutida pelo STF versa sobre
o limite da competência entre as Justiças Federal e Estadual. A matéria já teve
repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte.
Reproduz-se aqui parcialmente o
voto do Min. Luis Fux, pela importância da matéria:
Decisão
sobre Repercussão Geral
02/05/2013
“ DIREITO CONSTITUCIONAL. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. EXPORTAÇÃO ILEGAL DE ANIMAIS SILVESTRES. CRIME AMBIENTAL.
TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
Decisão:
O Tribunal, por maioria, reputou
constitucional a questão, vencido o Ministro Teori Zavascki. Não se
manifestaram os Ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia e Rosa Weber. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão
geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Teori Zavascki.
Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes,Joaquim Barbosa, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber. “
Ministro LUIZ FUX - Relator
“EXPORTAÇÃO ILEGAL DE ANIMAIS
SILVESTRES. CRIMES AMBIENTAIS. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA.
MANIFESTAÇÃO PELA REPERCUSSÃO GERAL.
1. Há percussão geral na questão
que versa, sobre o limite da competência entre a Justiça federal e estadual
para processar crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98, cuja conduta e
resultado tenham ou não extrapolado os limites territoriais do país.
2. O Brasil é signatário de
Convenções e acordos internacionais e ratificou sua adesão ao Princípio da Precaução,
ao assinar a Declaração do Rio, durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO 92) e a Carta da Terra, no Fórum Rio +5.
3. Por outro lado, há violações
que, embora cometidas contra o meio ambiente, não repercute no cenário mundial
e, portanto, não caracterizaria interesse direto da União na demanda, a
justificar a atuação da Justiça federal, mantendo-se a competência no âmbito interno
da jurisdição residual e segmentada do estado.
3. Este fenômeno jurídico que
demonstra preocupação e interesse do Brasil na proteção e conservação da biodiversidade
e recursos biológicos nacionais, a toda evidência implica aparente conflito
entre as competências da Justiça estadual e federal.
4. In casu, o recurso merece ter
a repercussão geral reconhecida, pois o tema constitucional versado nestes autos
é questão relevante do ponto de vista econômico, pois a cada operação
clandestina de animais para o exterior, o país deixa de fiscalizar o destino e emprego
de sua fauna nativa, além de não arrecadar tributos. Tem ainda repercussão
social, pois os direitos fundamentais de terceira, quiçá, quarta geração
asseguram a todos um meio ambiente saudável e equilibrado. Sob o enfoque
jurídico, em última análise, há duas espécies de violação; a primeira, diz respeito
à inobservância aos tratados e convenções internacionalizados pelo Brasil com a
edição de expedientes legislativos que evidenciam a tendência de cooperação
internacional no combate aos crimes ambientais. E, a outra, guarda relação com
o delito que, embora cometido contra o meio ambiente, restringe-se à ofensa à
política nacional sobre a matéria. Por fim, ultrapassa os interesses subjetivos
da causa, uma vez que a tese jurídica é de definição de competência
constitucionalmente prevista.
Decisão: Trata-se de agravo
interposto com base no art. 544 do Código de Processo Civil, contra decisão que
inadmitiu recurso extraordinário, sob o fundamento de que a alegação de ofensa
ao texto constitucional, acaso existente, seria indireta e reflexa. Nas razões
recursais, a parte agravante alega desacerto da decisão agravada,
contrapondo-se, em síntese, aos argumentos do julgado. Pede, ao fim, o conhecimento
do agravo e o provimento do recurso.
Na origem, o recurso
extraordinário foi manejado com esteio no art. 102, III, a, da Constituição da República,
em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO. ART. 29, §1º, III, DA LEI 9.605/98. LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS.
EXPORTAÇÃO IRREGULAR DE ANIMAL EXÓTICO. INCOMPETÊNCIA
1. Alega o Parquet
que os fatos descritos na exordial acusatória se amoldariam à hipótese de
competência da Justiça Federal insculpida no art. 109, IV, da Constituição
Federal, porquanto o ilícito penal atingiria interesse de entidade autárquica
vinculada à União.
2. Cumpre sublinhar que o
entendimento jurisprudencial sobre a matéria foi alterado a partir do
cancelamento pelo colendo Superior Tribunal de Justiça da sua Súmula nº 91, que
nunciava que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados
contra a fauna.
3. Com efeito, admitir o
enquadramento em tal regra por competir ao IBAMA a fiscalização quanto à saída destes
exemplares no país, equivaleria a restabelecer o entendimento da súmula
revogada, uma vez que o poder de polícia da autarquia federal abrange todas as espécies
de animais exóticos.
4. Cabe anotar que, em casos
análogos, o colendo Superior Tribunal de Justiça e esta egrégia Corte regional
têm decidido reiteradamente que se trata de interesse reflexo que não tem, por
si só, o condão de atrair a competência da Justiça Federal (STJ, 3ª Seção, CC
200801473008, Rel. Des. Fed. Conv. Celso Limongi, DJ 05/11/2010; TRF3, Quinta
Turma, RESE00109472920104036181, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, DJ01/03/2011).
5. A mera transnacionalidade do
delito que não encontra previsão específica em tratado internacional em que o
Brasil figure como signatário, não atrai a competência da Justiça Federal.
6. Recurso em sentido estrito
desprovido (fls. 472-472-v).
Na origem, o Ministério Público
Federal ofereceu denúncia perante a Justiça Federal, imputando ao ora recorrido,
a prática dos crimes do art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, ambos da Lei nº 9.605/98
e, por três vezes, a do art. 299 c/c 71 do Código Penal, em razão das condutas
irregulares de manter em cativeiro e exportar animais silvestres da fauna
brasileira, inclusive espécimes ameaçados de extinção.
Em primeiro grau, o juízo
declinou da competência; a uma porque entende que, em regra, compete à Justiça estadual
processar e julgar os crimes ambientais; a duas pois, o STJ cancelou a súmula
nº 91, que estabelecia a competência da Justiça federal para o julgamento de
crimes contra a fauna e, a três, por desconhecer a existência de tratado do
qual o Brasil seja signatário, apto a ensejar a incidência do inciso V do art.
109 da Constituição da República.
O Tribunal regional, ao julgar o
recurso em sentido estrito, manteve a ausência de competência da Justiça Federal
para julgar crimes ambientais, fundamentando-se, genericamente, em reiteradas
decisões do Superior Tribunal de Justiça, que, segundo alega, em casos comoos
destes autos, não vislumbrariam lesão direta a qualquer bem, serviço ou
interesse da União, visto que a proteção ao meio ambiente constitui matéria
afeta à competência comum; portanto, envolvendo todos os entes da federação.
Presentes os pressupostos de
admissibilidade, dou provimento ao agravo. Passo à análise do recurso extraordinário.
Nas razões recursais, o
recorrente apresenta preliminar de repercussão geral fundamentada e, no mérito,
sustenta violação ao art. 109, V, da Constituição Federal. Nesse sentido,
sustenta a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais, quando
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro,
ou vice-versa. Com efeito, o Ministério Público alega que crimes que ultrapassam
as fronteiras nacionais, com exportação clandestina e ilegal de animais da
fauna nativa evidenciam ofensa direta ao patrimônio da União, porquanto o
controle de saída e entrada do país está relacionado à soberania do Estado
brasileiro, atraindo a competência da Justiça Federal para julgar a causa, nos
termos do art. 109, V, da CF.
Por fim, alega a transnacionalidade
do delito, uma vez que os documentos que embasaram a denúncia demonstram remessas
em grande quantidade de animais vivos, sem autorização do Ibama e por meio do
correio aéreo para os Estados Unidos da América, caracterizando o interesse
federal na causa, a fim de evitar mercancia ilegal de animais, inclusive por
meio cruel, e evitar possíveis danos à reputação do País junto à comunidade internacional.
A presente controvérsia versa, em
suma, sobre o limite da competência entre a Justiça federal e estadual para processar
crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98, cuja conduta e resultado tenham
ou não extrapolado os limites territoriais do país.
O Brasil, desde 1965, é
signatário de Convenções e acordos internacionais como a Convenção para a Proteção
da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América
(ratificada pelo Decreto Legislativo nº 3, de 1948, em vigor no Brasil desde 26
de novembro de 1965, promulgado pelo Decreto nº 58.054, de 23 de março de
1966); a Convenção de Washington sobre o Comércio Internacional das Espécies da
Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES ratificada pelo
Decreto-Lei nº 54/75 e promulgado pelo Decreto nº 76.623, de novembro de 1975)
e a Convenção sobre Diversidade Biológica CDB (ratificada pelo Brasil por meio
do Decreto Legislativo nº 2, de 8 de fevereiro de 1994), o que demonstra sua
preocupação e interesse na proteção e conservação da biodiversidade e recursos
biológicos nacionais. Por outro lado, o Brasil ratificou sua adesão ao Princípio
da Precaução, ao assinar a Declaração do Rio, durante a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO 92) e a Carta da Terra, no
Fórum Rio +5.
Segundo este princípio
fundamental de direito internacional ambiental, os povos devem estabelecer mecanismos
de combate preventivos às ações que ameaçam a utilização sustentável dos
ecossistemas, biodiversidade e florestas, fenômeno jurídico que a toda
evidência implica aparente conflito entre as competências da Justiça estadual e
federal.
A meu juízo, o recurso merece ter
a repercussão geral reconhecida, pois o tema constitucional versado nestes autos
é questão relevante do ponto de vista econômico, pois a cada operação
clandestina de animais para o exterior, o país deixa de fiscalizar o destino e emprego
de sua fauna nativa, além de não arrecadar tributos.
Tem ainda repercussão social,
pois os direitos fundamentais de terceira, quiçá, quarta geração asseguram a
todos um meio ambiente saudável e desde 26 de novembro de 1965, promulgado pelo
Decreto nº 58.054, de 23 de março de 1966); a Convenção de Washington sobre o Comércio
Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES
ratificada pelo Decreto-Lei nº 54/75 e promulgado pelo Decreto nº 76.623, de
novembro de 1975) e a Convenção sobre Diversidade Biológica CDB (ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 2, de 8 de fevereiro de 1994), o
que demonstra sua preocupação e interesse na proteção e equilibrado.
Sob o enfoque jurídico, em última
análise, há duas espécies de violação; a primeira, diz respeito à inobservância
aos tratados e convenções internacionalizados pelo Brasil com a edição dos expedientes
legislativos acima mencionados que evidenciam a tendência do Brasil à
cooperação internacional no combate aos crimes ambientais. E, a outra, guarda relação com o delito que,
embora cometido contra o meio ambiente, restringe-se à ofensa à política
nacional sobre a matéria. Portanto, não caracterizaria interesse direto da
União na demanda, a justificar atuação da Justiça federal, mantendo-se a competência
no âmbito interno da jurisdição residual e segmentada do estado.
Por fim, ultrapassa os interesses
subjetivos da causa, uma vez que a tese jurídica é de definição de competência
constitucionalmente prevista. Ante o
exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral e submeto a matéria
à apreciação dos demais Ministros da Corte.
Publique-se.
Brasília, 1º de abril de 2013.
Ministro Luiz Fux
Relator”
E ainda merece citação a manifestação do Min.
Marco Aurélio:
“ 2. O recuros extraordinário
teve o processamento indeferido na origem. O processo em que interposto subiu
ante o agravo formalizado. O relator, ministro Luiz Fux, a ele deu provimento.
Então, nota-se evolução de Sua Excelência no que não se limitou a inserir o
caso, sem análise do agravo, no denominado Plenário Virtual. A situação é
diversa da apreciada no dia de ontem, sob a mesma relatoria, no Plenário –
Recurso Extraordinário com Agravo nº 648.629/RJ.
No mais, está-se diante de
controvérsia a reclamar a manifestação do Supremo como guarda maior da Lei
Básica da República. O Tribunal Regional Federal assentou a competência da
Justiça Comum para julgar ação penal movida contra o recorrido.
Cabe tão somente uma observação:
nada justifica o lançamento, na autuação, das iniciais da parte em vez de
homenagear-se a publicidade mediante a inserção do nome completo.
3. Preconizo a retificação da
autuação na forma do que o próprio Supremo acaba de decidir em sessão
administrativa realizada na última semana.
4. Manifesto-me no sentido de
encontrar-se configurada a repercussão geral.
5. À Assessoria, para acompanhar
o incidente, tomando as providências necessárias em processos, que se encontrem
sob a minha relatoria, nos quais se veicule idêntica matéria.
6. Publiquem.
Brasília – residência –, 25 de
abril de 2013, às 10h50.
Ministro MARCO AURÉLIO” (com grifos acrescidos)
In: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24.SCLA.+E+737977.NUME.%29+OU+%28ARE.PRCR.+ADJ2+737977.PRCR.%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/d5cy74d