sexta-feira, 16 de março de 2012

Perguntinha

Perguntinha


Na doutrina de direito administrativo, definia-se o tombamento como sendo “procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais de os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artísitico” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro);

Ainda: “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” ( definição do art. 1º do Dec-Lei 25/37).

Diante dessas definições – e de tantas outras- tantas quantas as obras de direito administrativo existentes- cada uma com sua definição própria enfocando mais ou menos um determinado aspecto do tombamento- pergunta-se: como ficará doravante a definição doutrinária de tombamento depois do estupro promovido pelo Governo de Minas na Praça da Liberdade (o chamado “Corredor Cultural da Praça da Liberdade”)? É flagrante e evidente a completa desconsideração ao fato de que o conjunto é tombado (por vezes com tombamentos em esferas distintas de governo, estadual, municipal).

Propagandas à parte, demorou-se os dois reinados de Dom Aécio,o Intangível, para não se definir nada, nem se completarem em definitivo as obras. Um Gerente Executivo com um gordo salário foi designado, ao que parece para nada fazer nem nada decidir. Fato é que a Cidade Administrativa (aquela que consegue o milagre da eqüidistância: é igualmente longe de tudo, ao mesmo tempo) ficou pronta antes. E o “Corredor Cultural” nada. Vozes mais entendidas no setor cultural preveniram isso, e aconselharam algo menor, feito em etapas. Claro a idéia desagradou; um faraó precisa de sua marca; obras grandiosas, para marcar sua gestão. Mesmo que isso significasse entregar o centro da cidade às favas ou à inércia do Poder Público Municipal. As definições dos ‘lotes’ também foram comédia à parte. Parecia um jogo de dados, uma brainstorming, onde ganhava quem desse a melhor idéia: aqui vais ser o museu do homem, aqui vai ser o museu do leite, aqui vai ser o centro disso ou daquilo- valia qualquer idéia, para preencher os espaços. (Que muito provávelmente estarão fadados ao esvaziamento e com uma perigosa tendencia de se tornarem espaços de alugueis para festas-salvo engano, um casamento já houve).

Esquecendo-se que a administração de espaços culturais requer e importa em um número de itens e fatores bem maior e mais complexo do que o simples local ou sua definição de uso. É a Cultura que continua sendo tratada como um item menor, quase um acessório.

Outras pérolas publicitárias foram também veiculadas na imprensa. Problemas com o estacionamento? Nenhum! Uma linha de vans levará os ‘consumidores culturais’ até o destino e depois os trará de volta (de volta aonde? Aonde deixaram seus carros? Com os flanelinhas?). Uma outra inesquecível também era a do Arquivo Público Mineiro, como não havia o que falar dizia o encarte: continuará cumprindo suas funções porém com uma administração mais moderna e ágil. Ora, fosse eu o Diretor do APM, tiraria satisfações na hora e me demitiria em seguida. Mas mineiramente nada se fez, nem os Ministérios Públicos ousaram intervir naquele novelo insondável. O IAB foi chamado a participar do processo, uma maneira elegante de dizer que vendeu sua independência e se comprometeu a não atrapalhar. IEPHA e IPHAN, idem, calados e aguardando, em stand by, em perfeita harmonia com os ventos das montanhas de Minas que atualmente (ainda) sopram. Agora, nos últimos lamentáveis enterros de ex-presidentes (respectivamente José de Alencar e Itamar- duas perdas irreparáveis ao País), sou obrigado a ouvir as reportagens referindo-se ao Palácio da Liberdade como “sede simbólica do Governo de Minas”...

A pergunta permanece: qual a nova definição de tombamento? Os autores de direito administrativo tem uma alternativa prática para a revisão de suas edições, sem alterar muito o texto: acrescer antes da definição “Exceto em Minas Gerais, tombamento pode ser definido como...”.

Mas não sou pessimista, pelo contrário. Tenho esperanças que daqui a muitos e muitos anos, haverá um governador bonitão (ou bonitinho como prefiram), que por sua vez terá uma irmã, que por sua vez terá um marido arquiteto, que por sua vez terá um pai ex-político, quem sabe ex- governador, cujo sonho sempre foi de ver a Praça revitalizada, sede do Governo, com as Secretarias e os Prédios Públicos funcionando no seu entorno. Então se fará um grande concurso, um grande projeto para uma nova e genial idéia que marcará aquele futuro governo: transferir a Administração para a Praça e seu entorno, economizando mais de 85 milhões com aluguel ou venda da Cidade Fantasma, digo, Administrativa e revitalizando assim o Centro da Capital, dando ao símbolo o seu respectivo lastro e não um simbolismo de papelão. E assim, as definições de tombamento tombarão novamente, voltando ao que eram, ao que são e sempre foram.

Nota: ao leitor de outro Estado, basta uma rápida pesquisa na internet para tomar pé do assunto, pedindo novamente desculpas por tratar de assuntos tão locais (e tétricos).